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terça-feira, 26 de março de 2013

O Sobrenatural Natural



Vou basear a reflexão de hoje em trechos tirados do livro "A Metafísica do Cristianismo", do filósofo brasileiro Humberto Rohden, que explica com simplicidade e objetividade como deveria se dar a ascensão espiritual de forma mais natural possível:









"O século XIX foi o século do materialismo clássico; hoje, cientificamente falando, o materialismo morreu... por falta de matéria, pois a ciência provou que a matéria não existe, é uma simples forma ou um estado de ser da energia. A mesma energia pode aparecer visível e invisível. A mesma matéria pode ser objeto dos nossos sentidos e pode, também, ser de todo imperceptível.

Coisa análoga dá-se todos os dias na natureza; as plantas extraem da terra elementos inorgânicos, chamados "não vivos", e, sob o impacto da vida, ou do princípio vital, transmudam essas substâncias "mortas" em substâncias "vivas" - verdadeira ressureição.
Os animais, por seu turno, assimilando as plantas, conferem sensibilidade a seres insensíveis.

Para realizar essas ressurreições, basta que a planta ou o animal consigam permear completamente do seu princípio vital ou sensitivo as substância não vivas ou não sensitivas, e assim as vitalizam ou sentivizam.

Nada disso é milagre ou exceção das leis da natureza, mas uma constante afirmação e confirmação dessas mesmas leis. Da mesma forma, não é milagre que o nosso corpo material, sob o poderoso impacto do espírito, a mais alta energia do universo, seja transformado em corpo espiritual, isento das leis da gravidade e dimensão que regem a matéria no plano inferior da existência.

Um dos maiores obstáculos à compreensão desse processo é o costume tradicional e errôneo de dividirmos a realidade em zona natural e sobrenatural. De fato, o sobrenatural é um simples refúgio da nossa ignorância. Para Deus não há sobrenatural, e quanto mais o homem se diviniza pela expansão da sua consciência, tanto mais perde a noção do sobrenatural e tanto mais natural considera tudo o que acontece. Deus é infinitamente natural, e é esta a razão por que nós, sendo apenas finitamente naturais, o consideramos sobrenatural.

Para o mineral, a vida da planta é sobrenatural. Para a planta, a sensitividade do animal é sobrenatural. Para o animal, a atividade intelectual do homem é sobrenatural. Para o homem simplesmente intelectual, o mundo espiritual é sobrenatural. Mas todas essas "sobrenaturalidades" são apenas relativas, tomando da perspectiva do observador que se acha em plano inferior; visto do plano superior, o sobrenatural é natural. Do plano supremo ou divino, nada é sobrenatural, tudo é absolutamente natural."


Esse trecho nos apresenta uma outra perspectiva para a compreensão do sobrenatural. Tudo aquilo que nos parece misterioso, inatingível ou mesmo inexplicável, não é nada além de uma realidade natural, mas que é indecifrável/imperceptível diante das limitações dos nossos sentidos e capacidades normais.

A grande diferença entre os seres humanos e as formas inferiores de existência nesse plano, é que temos uma consciência capaz de se expandir e adquirir compreensão dos planos de existência superiores (plano espiritual). Dessa forma, o que nos parece sobrenatural nos é revelado como um outro plano natural, o metafísico.

Ocorre que essa ascensão da compreensão humana, que seria o degrau mais elevado em nossa jornada interior, requer que estejamos perfeitamente alinhados com as leis divinas que foram feitas para a organização total do universo. Podemos dizer com segurança que estamos num plano regido por leis cósmicas (cosmo, do grego antigo κόσμος, transl. kósmos, "ordem") e não um universo de caos (desordem e confusão). 

E é por vivermos num universo de ordem, que estamos, de plano, impedidos de viver de maneira completamente alheia a sua organização e sua lógica. Sendo assim, temos apenas duas decisões possíveis para tomar ao escolher como pautaremos nossa existência. Podemos escolher cumprir com gozo ou com sofrimento, a vontade creadora¹ do Universo, estabelecida por Deus. A escolha da forma com que cumpriremos tais desígnios é tudo.

Acontece que os seres humanos costumam cumprir a vontade de Deus de maneira dolorosa, com muitos sofrimentos e sacrifícios. Mas isso é tudo o que o livre-arbítrio lhes faculta fazer. Eles o fazem assim porque julgam poder encontrar felicidade no cumprimento da sua vontade humana contra a vontade divina. É desnecessário dizer que para que a vontade creadora¹ se manifeste e seja cumprida com alegria, a criatura se disponha a submeter seus ímpetos e vontades à vontade divina.

E é esse o fardo e o dilema que marca a vida de quase que a totalidade de quem busca esse caminho mais elevado. Mas as coisas não deveriam ser assim. Elas não precisam ser assim. Entendamos:

"Existe uma literatura devocional que pretende fazer crer que a vida de Jesus Cristo foi uma vida triste, dolorosa, e que todo cristão genuíno deva levar a vida de tristezas e dores. A verdade, porém, é que nunca foi vivida sobre a face da terra uma vida mais bela e jubilosa que a do Nazareno, uma vez que para ele a espiritualidade não era sacrificial e cruciante, como é geralmente para seus discípulos, mas divinamente deleitosa, tanto assim que ele compara o cumprimento da vontade do Pai celeste a um banquete ou manjar apetitoso: "O meu manjar é cumprir a vontade daquele que me enviou" (Jo 4:34). O místico, o homem plenamente cristificado, é o único homem que pode realmente gozar as coisas belas do mundo de Deus, porque está em perfeita harmonia com o Deus do mundo, e o seu gozo não contém o menor ressaibo de amargura, como necessariamente acontece com o gozador profano, o homem que quer gozar o mundo de Deus sem estar em paz com o Deus do mundo. O homem espiritual não só conhece as alegrias puras do espírito, mas é também o único homem que pode gozar em cheio das belezas do mundo material, porque goza-as com liberdade interior - goza-as sem temor nem remorso, descobre-lhes a suavidade interna, que para o gozador materialista é desconhecida. A verdadeira mística é poesia e delícia, porque é retidão e racionalidade.

Pensam os inexperientes que a mística e a racionalidade sejam duas coisas incompatíveis e mutuamente exclusivas, quando na verdade o único racionalista genuíno é o místico; é o realista por excelência, como o Cristo, que, sendo o rei da mística, era também o rei da racionalidade. Com efeito, tanto mais realista e racional é o homem quanto mais espiritual e místico. Deus, o Espírito infinito, é também a Razão sem limites e a Realidade absoluta.

O que não é feito com facilidade e espontânea alegria não tem garantia de perpetuidade, como vemos em todos os reinos da natureza. Se tivéssemos de comer e beber e dormir e procriar filhos unicamente pelo estrito senso do dever, já não existiria ser vivo sobre a terra, e a humanidade estaria extinta há muito tempo. A natureza sabe porque associou o deleite a todas as coisas necessárias. O mesmo acontece nas regiões superiores da vida. Enquanto a vida espiritual for para mim um sacrifício diário e uma tortura perene, não tenho garantia de perseverança no terreno da espiritualidade; cedo ou tarde, em lances críticos, a minha "virtude" falhará, como acabarão por falhas todas as atitudes difíceis e penosas.

Só no dia em que os cruciantes imperativos da ética se transformarem em exultantes optativos da mística; quando a amargura do dever se converter na suavidade do querer; quando eu puder em verdade dizer com o salmista: "Eu amo a Tua lei, Senhor, e os Teus preceitos são a minha delícia" - só então terei sólida garantia para a perpetuidade da minha vida espiritual. Enquanto o amor para com meus inimigos me parecer absurdo ou heroico; enquanto o receber me der maior felicidade que o dar; enquanto o espírito do Sermão da Montanha me parecer apenas um longínquo idealismo teórico, e não um propínquo realismo prático - não terei uma espiritualidade feliz; não terei feito a vontade de Deus aqui na terra assim como ela é feita nos céus. "Deus ama um doador alegre" - e não um servidor tristonho e gemebundo."

Esse é o caminho das pedras. Essa é a verdadeira transformação da mente que irá experimentar a perfeita vontade de Deus. É a diferença dos que se convertem e dos que apenas se convencem.

É através desse processo natural que encontraremos dentro e diante de nós, o verdadeiro sobrenatural. O sobrenatural natural!


¹: Até bem pouco tempo, existiam os verbos CREAR e CRIAR, os quais não eram sinônimos. Crear significava "tirar do nada", e era verbo irregular; o segundo vocábulo, criar, significava "dar de comer", "nutrir". Essa é a razão pela qual, os dois conceitos se tornam filosoficamente incompatíveis; sendo portanto, de extrema importância que a distinção permanceça acontecendo, para que não haja confusão entre os dois conceitos.

 







O homem perfeito não será, pois, um homem sem corpo - que não seria homem na verdade -, mas um homem cujo princípio superior (alma) penetrou plenamente no princípio inferior (corpo).
'E haverá um novo céu e uma terra nova... Deus habitará no meio dos homens... E o reino dos céus será proclamado sore a face da terra..."










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