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terça-feira, 24 de julho de 2012

Vida intelectual - Raiz, tronco e frutos


Arthur Schopenhauer foi conhecido como o filósofo do pessimismo. Muitos o enxergam como um sujeito que apesar de incrivelmente inteligente, tivesse vivido amargurado e desgostoso com a vida. Eu me pergunto o porque disso ser algo indesejável. Nunca me entrou na cabeça qual a grande vantagem de buscar alegria ou pautar nossos pensamentos e ações por puras emoções, sentimentos ou desejos. Há algo maior a se buscar do que satisfação.

A vida da maioria das pessoas realmente profundas intelectual e espiritualmente que conheço não transcorre da mesma maneira que a maioria das outras. Elas não vivem em busca de nada para si, mas de respostas, de compreensão para questões que os que vivem para si sequer tem consciência ou capacidade de encontrar e decifrar.

Um exemplo de pessoa mundialmente conhecida nos dias de hoje que pode ilustrar o que digo é o ator Keanu Reeves:




Nessa imagem ele é visto num metrô de Nova Iorque, lendo o jornal, como qualquer pessoa. Nada de aviões, helicópteros, ou carros de luxo.

Reeves vem de uma família problemática. A namorada, com quem ele ia se casar, morreu em um acidente de carro. Um dos seus melhores amigos, o também ator River Phoenix, morreu de overdose. E sua irmã teve leucemia. Está curada. E Reeves, então, resolveu doar 70% do que ganhou com o filme “Matrix” para hospitais que tratam dessa doença.

O ator não tem guarda-costas, não usa roupas da moda, mora em um flat e, no fim de 2011, foi visto no metrô de Nova York cedendo o lugar para uma senhora.

Naturalmente que aos olhos da mídia, de outras celebridades e da maioria das pessoas ele deve ser visto como alguém excêntrico, perturbado, talvez até louco. Mas quando indagado sobre seu comportamento, ele se limitou a responder:

“Você precisa ser feliz para viver, eu não.”

Essa declaração causaria um certo choque na mente de qualquer um que tenha a mínima capacidade reflexiva e viva sob a máxima de "aproveitar a vida ao máximo" ou "o que importa é ser feliz".

Acontece que a mente e o espírito de pessoas como Reeves não se satisfazem com as mesmas coisas que as de uma pessoa "normal", ou medíocre. A sensação de comodidade, conforto e o gozo do luxo não bastam para pessoas com espírito elevado. Elas tem a plena convicção de que essas coisas não passam de alentos supérfluos e momentâneos, que não preenchem verdadeiramente as necessidades dos que caminham acima do comum, do ordinário.

É nesse ponto que a enorme sabedoria de lucidez de Arthur Schopenhauer vem à tona. Pessimismo é muito diferente de ser alguém deprimido, que só vê desgraça em tudo, ou como descrevem pateticamente alguns; alguém que "atrai energias" negativas.
Não, ser pessimista na maioria das vezes é ter os pés no chão. É enxergar as coisas como elas são, e não como gostaríamos que elas fossem. É abrir mão de criar um mundo de falsas esperanças e ilusões e aceitar o pior como natural, não como infortúnio ou motivo de decepção ou abalo.

Após a morte do filósofo alemão, foi dito que ele guarvada alguns manuscritos pessoais que ele reuniu ao decorrer dos anos, contendo meditações "destinadas a si mesmo"; trazendo sua filosofia não como pensamentos abstratos, mas como um manual prático para a vida.
Acreditava-se que esses escritos haviam se perdido, ou sido queimados pelo testamentário de Schopenhauer, que alegava tê-los queimado a pedido do próprio filósofo antes de sua morte; mas fragmentos dessa obra apareceram em publicações e livros escritos pelo próprio detentor de seu legado pessoal, anos mais tarde.

Ocorre que os primeiros capítulos do que foi recuperado desse "livro secreto" trata exatamente da forma com que homens de espírito desenvolvido, que dedicaram sua vida à intelectualidade e a busca do que transcende aos sentidos humanos. Ainda que sejam vistos por quase todos como derrotados, foram assim que viveram boa parte dos maiores seres que caminharam por este planeta:

"Querer o menos possível e conhecer o mais possível, eis a máxima que conduziu minha trajetória de vida. Pois a vontade é o que há de mais comum e de pior em nós. Devemos ocultá-la como se faz com a genitália, embora ambos sejam a raiz do nosso ser. Minha vida é heróica e não pode ser avaliada pelo metro do filisteu, ou com o cúbito do merceeiro, muito menos pela medida do homem comum, que não possui outra existência senão a do indivíduo limitada a um curto espaço de tempo. Portanto, não posso me afligir ao pensar que me faltam coisas que fazem parte da trajetória normal de um indivíduo: emprego, casa, jardim, esposa e filho. A existência desses indivíduos transcorre de maneira sempre igual. Já a minha vida, ao contrário, é intelectual, e seu desenvolvimento regular e atividade constante tem de produzir frutos nos poucos anos de pleno poder espiritual e de sua livre utilização, e, assim, por séculos enriquecer a humanidade. Minha vida pessoal é tão-somente a base para a intelectual, a conditio sine qua non, ou seja, algo totalmente secundário. Quanto mais estreita for esta base, tanto mais segura; e se realizar o que deve com relação à minha vida intelectual, terá atingido o seu fim. O instinto, que é próprio a todos aqueles que tem objetivos intelectuais, também se tornou um guia seguro para mim, de forma que deixei de lado os interesses pessoais e tudo concentrei em minha existência espiritual. Por isso também o fato de a trajetória de minha vida parecer desconexa e destituída de plano não pode me surpreender: ela se assemelha ao acompanhamento na harmonia, que igualmente não pode conter em si nexo algum, visto que serve apenas de fundo para a voz principal, na qual se encontra o nexo. As coisas de que necessariamente sou privado em minha vida pessoal me são compensadas de outra maneira, ao longo da vida, pelo pleno gozo do meu espírito e empenho em favor de sua orientação inata; de fato, se as possuísse, não as fruiria, e ser-me-iam até mesmo impeditivas. Para um espírito que doa e realiza por si mesmo aquilo que nenhum outro pode da mesma forma doar e realizar, e que justamente por isso subsiste e perdurará - seria ao mesmo tempo cruel e insano querer forçá-lo a fazer outras coisas, ou mesmo atribuir-lhe tarefas obrigatórias, afastando-o do seu dom natural.


Já nos primeiros anos de minha juventude, notei que enquanto todas as outras pessoas aspiravam a bens exteriores, eu não me dirigi para tais bens, pois trago em mim um tesouro infinitamente mais valioso do que quaisquer bens exteriores; trata-se apenas de desenterrá-lo, para o que as primeiras condições são formação espiritual e ócio total, portanto, independência. A consciência disso, no princípio obscura e vaga, tornou-se, ano após ano, cada vez mais clara e foi suficiente para sempre fazer de mim uma pessoa prudente e parcimoniosa, isto é, para dirigir o meu cuidado para a manutenção de mim mesmo e de minha liberdade e não para algum bem exterior. Indo de encontro à natureza e ao direito humano, tive de abster-me de usar minhas forças em favor de minha pessoa e do fomento de meu bem-estar, para assim empregá-las em prol da humanidade. Meu intelecto não pertenceu a mim, mas ao mundo. A percepção deste estado de exceção e da difícil tarefa dele procedente - viver sem empregar minhas forças para mim mesmo - exerceu contínua pressão sobre o meu ser e tornou ainda mais preocupado e cuidadoso do que já era por natureza. No entanto, levei tudo a bom termo, realizei a tarefa, cumpri minha missão.


Comparada à importância do indivíduo, a importância do homem intelectualmente imortal tornou-se em mim algo tão infinitamente grande, que eu, embora me sobrecarregasse com tantas preocupações pessoais, logo as deixava passar e desaparecer, assim que um pensamento filosófico se anunciava. Pois tal pensamento sempre era para mim a coisa mais séria, o resto, ao contrário, mero passatempo. Esse é o título de nobreza e a carta de alforria da natureza. A felicidade do homem ordinário reside na alternância entre trabalho e prazer: para mim, ao contrário, ambos são uma coisa só. Eis por que a vida de homens de minha espécie é necessariamente um monodrama. Missionários da verdade a ser transmitida ao gênero humano, como eu, após terem se reconhecido como tais, pouco terão em comum com as pessoas, exceto por sua própria missão, assim como os missionários na China que não se confraternizam com os chineses. Em todas as situações da vida em sociedade, um homem como eu, sobretudo na juventude, sente-se continuamente como alguém que usa roupas que não lhe servem."




Arthur Schopenhauer
























"Devemos viver sem nenhum arrependimento.

E ser mais livres que qualquer um..."


Portgas D. Ace



2 comentários:

marilene cristina gomes disse...

As vezes as pessoas dizem que não são felizes por não terem dinheiro e oportunidades. mas no caso de Reeves poderia ser o contrário mas não é. Tem tudo e no entanto parece faltar muito pra lhe satisfazer.

marilene cristina gomes disse...

É extremamente estranho o comportamento de Reeves para uma celebridade mas pode haver uma explicação para tudo isso que ele faz e não sabemos o que é realmente. sou sua fã e gostaria de poder entender as suas razões para tanto.